Uma Tarde em 67

Em uma tarde paulistana, no coração da cidade, Anysio, Gullar e Vergueiro se aglomeravam em frente ao bar encasacados e protegidos pelo calor do aperitivo que apoiavam sobre a bancada. Com mesas e cadeiras de madeira e garrafas de cachaça expostas, o local atraía um público de ocasião. De longe, corri por causa da garoa, esfregando as mãos e abotoando o sobretudo, me protegendo embaixo do toldo do boteco.  Na calçada oposta, pude ver um majestoso teatro. Foi aí que perguntei para o grupo:

– Que teatro lindo é esse, bicho?

– Gostou? Sabe o que vai acontecer hoje aí?, indagou-me Gullar.

Pego de súbito, sem acompanhar muito o noticiário no rádio, pensei que seria melhor inventar algo espalhafatoso. Se eu dissesse algo muito diferente do que se presume haver em um teatro, certamente causaria algum impacto naquele momento. Acendi um cigarro e refleti comigo mesmo: ‘a exibição de algum filme? Tipo A Noviça Rebelde ou E O Vento Levou?. Quem sabe algum espetáculo circense?’ Contido em meus pensamentos, vi Chico se aproximar, com o violão nas costas. Gilberto parado na esquina a tudo observava com atenção, até que Eduardo chegou, pediu um café e assoviou uma canção.

Ali vi que o simples poderia ser a resposta, e intuí:

– Uma peça?

Anysio riu.

Gullar prosseguiu:

– Esse é o teatro da Record. Hoje vai ser a final de um festival.

– Somos os jurados, completou Vergueiro.

Apaguei o cigarro no cinzeiro e pedi licença. A caminho do banheiro, vi três figuras bem mais jovens do que todas as outras ali presentes. Sérgio, Arnaldo e Rita pareciam cochichar em uma mesa ao fundo. Ela desenhava em si, de frente para um espelho esfumaçado, um coração na bochecha. Ao voltar, vi que Caetano chegava com um paletó xadrez. Cabral pediu um aperitivo e uniu-se a Anysio, Gullar e Vergueiro. Antonio acendeu um charuto e acenou ao longe para um homem que produzia som com um garfo e um prato. De penetra, Miriam sentou-se perto do tal homem. Era Gilberto. Ela sacou do bolso da blusa uma caixinha de fósforos e ali seguiram as conduções do maestro.

Ao me ver afastado, Cabral me convidou pro grupo:

– Gosta de música, rapaz?

– Bicho, eu tô curtindo muito o som da Inglaterra, sabe como é?

Gullar interrompeu.

– Peraí, guitarra elétrica?

A passos dali, Sérgio e Caetano se levantaram. Gilberto parou o som que fazia no prato e celebrou!

– Os Beatles? Da Inglaterra? Eles são demais!

– Isso! Que som, né não?, respondi.

Rita se aproximou:

– Som mágico, bicho. Concordam?

Arnaldo e Sérgio responderam:

– Plenamente.

Cabral e Gullar protestaram:

– Guitarra elétrica na música brasileira? Nem pensar!

– Isso é lixo americano!

Gil continuou:

– A música é universal, tem essa não, gente.

Um silêncio sepulcral dominou o ambiente por três segundos. Depois, o burburinho de cada grupo voltou. Próximo a mim, Gil sussurrou:

– É rock com baião, bicho!

 

Por: João Santiago

 

A malemolência e a sonoridade ímpar do show da banda Carne Doce no Queremos! Festival; veja galeria de FOTOS

mbv no queremos

FOTO: ANA ROMAGUERA

 

O sol despontava no horizonte da Baía da Guanabara quando os portões da Marina da Glória, no Rio de Janeiro, abriram às 13:30 para receber a segunda edição do Queremos! Festival (leia mais aqui sobre o evento). Quando a banda Carne Doce iniciou o show no Palco Amarelo, os fãs já se aglomeravam no gramado lateral, em contraste com a terra batida, dando a impressão de que havíamos feito uma viagem no tempo dos grandes festivais pelo mundo ao longo da História.

mbv no queremos
Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

A associação ao Woodstock 69′ e ao Rock in Rio 85′ era natural, amplificada pelo grito rouco contemporâneo de liberdade: dos costumes, sexual, artística e política. Carne Doce envolveu todas e todos com sua sonoridade ímpar e bebendo da fonte do Indie rock aliada a sonoridades tipicamente brasileiras. A vocalista Salma Jô conduziu, com malemolência, o público que já sentia uma certa brisa no rosto, com a temperatura mais amena.

A presença visceral da veterana Gal Costa, a batida incomparável da pernambucana Duda Beat, o show político por natureza de Luedji Luna e a doçura ritmada de Jade Baraldo comprovam a importância da mulher na nossa música. O Queremos! Festival entrou pra História com a marca da diversidade. A maior parte do lineup do evento foi composta por mulheres e bandas com lideranças femininas. Tal fenômeno aponta para um cenário fértil de resistência, afirmação político-cultural e posicionamento de destaque no ambiente artístico.

 

Por: João Santiago

Fotos: Ana Romaguera

 

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‘Quero dedicar essa energia a cada professor e professora do Brasil’, vibrou o rapper Criolo no Queremos! Festival

criolo no queremos!

FOTO: ANA ROMAGUERA

 

Na noite do último dia 15 de junho, na Marina da Glória, o rapper Criolo subiu ao palco do Queremos! Festival 2019 (leia tudo sobre o festival aqui!) com uma energia impressionante e já conhecida pela maior parte dos seus fãs. O artista mesclou clássicos de sua carreira com trabalhos mais recentes e produziu uma catarse coletiva aos presentes.  Diante de um público extasiado, o cantor renovou os ânimos de cada um:

“Quero dedicar essa energia a cada professor e professora do Brasil!”

criolo no queremos!
Criolo no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

 

Acompanhado pelo parceiro fiel DJ DanDan e os produtores e multi-instrumentistas Bruno Buarque, Dudinha e Daniel Ganjaman, Criolo cativou as gerais delirantes que foram provocadas pelo cantor, que conclamava todas e todos:

“Eu não tô te ouvindo, eu não tô te ouvindo! Tá cansadinho?”

Criolo no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

 

DJ DanDan no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

O som-pesadão-envolvente dominou o espaço. Artista e público comungaram na canção ‘Duas de Cinco’, do álbum ‘Convoque Seu Buda’, lançado em 2014. A noite se encaminhava para as apresentações finais com a presença visceral de Criolo, que demonstrou ali todo o teor político anti-demagógico e intensidade.

Filmagem: Ana Romaguera/MBV

 

Por: João Santiago

Queremos! Festival 2019: A festa da diversidade

FOTO: ANA ROMAGUERA

 

O sol despontava no horizonte da Baía da Guanabara quando os portões da Marina da Glória, no Rio de Janeiro, abriram às 13:30 para receber a segunda edição do Queremos! Festival. A primeira atração estava marcada para uma hora depois, mas o público já chegava antes pra garantir seu lugar à sombra em dia típico de outono carioca. O aguardado evento contou com a presença de novas promessas da nossa música e artistas renomados. A Orquestra Sinfônica da Petrobras abriu os trabalhos, executando canções do filme Bohemian Rhapsody, que narrou a história da banda inglesa Queen e de seu intérprete Freddie Mercury.

MBV NO QUEREMOS
Palco Rosa do Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Era um excelente presságio do bom gosto que a curadoria do festival ofereceria para o público. Aliás, a produção merece nota: impecável. Do início ao fim, a estrutura montada no coração da cidade respeitou e abraçou aqueles que foram assistir seus artistas favoritos. Com uma programação majoritariamente nacional, a pluralidade do público contribuiu para que a noite fosse de paz e, como proclamou posteriormente o artista Criolo, representavam a ‘resistência do amor’.

Às 15:30, a banda Carne Doce iniciou o show no Palco Amarelo, envolvendo todas e todos com a sua sonoridade ímpar e bebendo da fonte do Indie rock aliada a sonoridades tipicamente brasileiras. O gramado lateral em contraste com a terra batida, onde os fãs se aglomeravam, dava a sensação de que havíamos feito uma viagem no tempo dos grandes festivais pelo mundo ao longo da História. A associação ao Woodstock 69′ e ao Rock in Rio 85′ era natural, amplificada pelo grito rouco contemporâneo de liberdade: dos costumes, sexual, artística e política. A vocalista Salma Jô conduziu, com malemolência, o público que já sentia uma certa brisa no rosto, com a temperatura mais amena.

 

Salma Jô no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV
Salma Jô no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

O Palco Rosa recebeu, na sequência, o show de Jade Baraldo, que ganhou notoriedade em participação no reality show musical The Voice Brasil. A apresentação equilibrava a voz suave da intérprete com um som ritmado, de peso, que seguia no envolvimento do público. Em tempo, ‘envolvência’ é o conceito que marca cada show e manifestação espontânea de cada um. E essa ideia se proliferava à medida que o festival ia ficando mais cheio e a noite chegava.

A noite despontou com a cantora Luedji Luna, que aprofundou a malemolência e ofereceu aos presentes um show gingado, recheado de canções viscerais e realizou uma apresentação política por natureza. A representatividade das letras das canções e o canto ecoado pelos orixás transbordaram a energia do ambiente. Em rodas entre conhecidos e desconhecidos, grupos, casais e novos amigos dançavam enquanto se preparavam para um grito uníssono, por justiça e mais amor.

Luedji Luna no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

A artista soteropolitana de voz potente levantou o público que já ocupava todos os cantos do Queremos! Festival 2019 e se preparava pra receber Duda Beat. O ambiente já estava lotado quando a cantora iniciou sua apresentação no Palco Rosa. O calor dava espaço para um clima mais aconchegante e noturno, com os fãs se jogando na batida da pista. Vale destacar também o som límpido e potente ali instalado. A iluminação de cada show se destacava, reunindo a identidade de cada artista a um conceito próprio.

Duda Beat no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV
Espaço Deezer no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Nos intervalos , o público podia relaxar nos espaços lounges, recarregar as energias na área ‘Comemos’, que ofereceu uma ampla e diversificada opção de lanches, além de se divertir com os amigos no karaokê disponibilizado pela Deezer, com um variado cardápio musical. A plataforma de streaming global também realizou a cobertura do Queremos! Festival, direto do aplicativo para todo o Brasil!

Uma das atrações nacionais mais esperadas, Gal Costa abriu com a canção ‘Dê um Rolê’, imortalizada na sua voz nos anos de 1970 e composta por Moraes Moreira e Luis Galvão, do grupo Novos Baianos. A artista seguiu com “Mamãe Coragem” (Caetano Veloso e Torquato Neto), “Vaca Profana” (Caetano Veloso) e “As Curvas da Estrada de Santos” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos). Perfilando clássicos e incluindo canções do mais recente álbum “A Pele do Futuro”, Gal emocionou e envolveu por completo as pessoas que ali estavam.

Gal Costa no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Com uma energia impressionante e já conhecida pela maior parte dos seus fãs,  Criolo subiu ao palco diante de um público extasiado, renovando os ânimos de cada um:

“Quero dedicar essa energia a cada professor e professora do Brasil!”

Criolo no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

As gerais delirantes foram provocadas pelo cantor, que conclamava todas e todos:

“Eu não tô te ouvindo, eu não tô te ouvindo! Tá cansadinho?”

O som-pesadão-envolvente dominou o espaço. Artista e público comungaram na canção ‘Duas de Cinco’, do álbum ‘Convoque Seu Buda’, lançado em 2014. A noite se encaminhava para as apresentações finais com a presença visceral de Criolo, que demonstrou ali todo o teor político anti-demagógico e intensidade.

Filmagem: Ana Romaguera/MBV

 

O Queremos! Festival 2019 representou uma catarse coletiva e libertária diante de um conturbado cenário político vivido hoje no Brasil. Nasceu já como parte da História do Rio de Janeiro.

No futuro, os escafandristas da canção ‘Futuros Amantes’, de Chico Buarque, encontrarão os tais vestígios de estranha civilização e, no eco de antigas palavras, verão na experiência sonora um ato de amor.

A resistência do amor.

 

Por: João Santiago

Gal Costa, Criolo, Carne Doce e Baco Exu do Blues no Queremos! Festival

gal costa queremos

FOTO: BOB WOLFENSON

 

No próximo dia 15 de junho, a Marina da Glória, no Rio de Janeiro, recebe a segunda edição do Queremos! Festival. Com 14 horas de duração, a festa contará com atrações internacionais e nacionais de peso, com destaque na música brasileira para Gal Costa, Criolo, o duo brasiliense Forró Red Light, Baco Exu do Blues e a Orquestra Petrobras Sinfônica.

A plataforma Queremos! é global e nasceu com o intuito de reunir artistas e fãs, contando com uma curadoria musical especial. O público pode pedir seus artistas favoritos em suas cidades e compartilhar esse pedido com os amigos, gerando mais engajamento e mais demanda para o artista. Atualmente, o Queremos! possui um calendário fixo de eventos em quatro das principais capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Para curtir bem a maratona de shows, o festival preparou uma área de convivência projetada pela gru.a, escritório carioca de arquitetura que desenvolve instalações artísticas e estruturas efêmeras. A área de food truck foi batizada de Comemos!, para os mais variados gostos. ComunaBel Trufas e Brota são os primeiros anúncios dessa seleção.

 

PROGRAMAÇÃO BRASILEIRA NO QUEREMOS! FESTIVAL

Baco Exu do Blues

Carne Doce

Criolo

Duda Beat

Forró Red Light

Gal Costa

Luedji Luna

 

QUEREMOS! Festival:

15/06/2019 – Marina da Glória (Rio de Janeiro)

Ingressos a partir de R$ 120 (primeiro lote)

 

Por: João Santiago