Em uma tarde paulistana, no coração da cidade, Anysio, Gullar e Vergueiro se aglomeravam em frente ao bar encasacados e protegidos pelo calor do aperitivo que apoiavam sobre a bancada. Com mesas e cadeiras de madeira e garrafas de cachaça expostas, o local atraía um público de ocasião. De longe, corri por causa da garoa, esfregando as mãos e abotoando o sobretudo, me protegendo embaixo do toldo do boteco. Na calçada oposta, pude ver um majestoso teatro. Foi aí que perguntei para o grupo:
– Que teatro lindo é esse, bicho?
– Gostou? Sabe o que vai acontecer hoje aí?, indagou-me Gullar.
Pego de súbito, sem acompanhar muito o noticiário no rádio, pensei que seria melhor inventar algo espalhafatoso. Se eu dissesse algo muito diferente do que se presume haver em um teatro, certamente causaria algum impacto naquele momento. Acendi um cigarro e refleti comigo mesmo: ‘a exibição de algum filme? Tipo A Noviça Rebelde ou E O Vento Levou?. Quem sabe algum espetáculo circense?’ Contido em meus pensamentos, vi Chico se aproximar, com o violão nas costas. Gilberto parado na esquina a tudo observava com atenção, até que Eduardo chegou, pediu um café e assoviou uma canção.
Ali vi que o simples poderia ser a resposta, e intuí:
– Uma peça?
Anysio riu.
Gullar prosseguiu:
– Esse é o teatro da Record. Hoje vai ser a final de um festival.
– Somos os jurados, completou Vergueiro.
Apaguei o cigarro no cinzeiro e pedi licença. A caminho do banheiro, vi três figuras bem mais jovens do que todas as outras ali presentes. Sérgio, Arnaldo e Rita pareciam cochichar em uma mesa ao fundo. Ela desenhava em si, de frente para um espelho esfumaçado, um coração na bochecha. Ao voltar, vi que Caetano chegava com um paletó xadrez. Cabral pediu um aperitivo e uniu-se a Anysio, Gullar e Vergueiro. Antonio acendeu um charuto e acenou ao longe para um homem que produzia som com um garfo e um prato. De penetra, Miriam sentou-se perto do tal homem. Era Gilberto. Ela sacou do bolso da blusa uma caixinha de fósforos e ali seguiram as conduções do maestro.
Ao me ver afastado, Cabral me convidou pro grupo:
– Gosta de música, rapaz?
– Bicho, eu tô curtindo muito o som da Inglaterra, sabe como é?
Gullar interrompeu.
– Peraí, guitarra elétrica?
A passos dali, Sérgio e Caetano se levantaram. Gilberto parou o som que fazia no prato e celebrou!
– Os Beatles? Da Inglaterra? Eles são demais!
– Isso! Que som, né não?, respondi.
Rita se aproximou:
– Som mágico, bicho. Concordam?
Arnaldo e Sérgio responderam:
– Plenamente.
Cabral e Gullar protestaram:
– Guitarra elétrica na música brasileira? Nem pensar!
– Isso é lixo americano!
Gil continuou:
– A música é universal, tem essa não, gente.
Um silêncio sepulcral dominou o ambiente por três segundos. Depois, o burburinho de cada grupo voltou. Próximo a mim, Gil sussurrou:
– É rock com baião, bicho!
Por: João Santiago