REPORTAGEM ESPECIAL: Caetano Veloso, o filho da Roma Negra (parte final)

FOTO: Divulgação

Logo na abertura do disco ‘Bicho’, de 1977, Caetano Veloso promove o bom sentimento e a positividade presentes em quase todas as etapas de sua carreira, seja liricamente ou na forma. Com uma única estrofe que se repete por pouco mais de sete minutos, Odara é um termo originário da cultura hindu e significa “paz” ou “tranquilidade”. Também é de grande importância na religião do candomblé e da umbanda, sendo um tipo de exu. À época, o Brasil vivia o início – ‘lento, gradual e seguro’ – da decadência da Ditadura Civil-Militar e o filho da Roma Negra parecia expor ali a necessidade de se trazer positividade em tempos tão sombrios.

Esta matéria encerra a série de reportagens que o portal MBV fez sobre o artista ao longo do mês de agosto. Leia também a parte 1 e a parte 2. Caetano incorporou para si, ao longo dos anos, o princípio da antropofagia como algo mais abrangente que o movimento tropicalista. A tudo sempre observou e se alimentou de inúmeras referências – da voz de João Gilberto, do rock and roll que a Jovem Guarda fazia e do samba do recôncavo baiano. Ao beber de todas essas fontes, parece que hoje encontrou em si a juventude. Olhando apenas para a aparência física, vemos um artista que parece ainda mais jovem que antes.

Foto: Divulgação

Na década de 1980, os discos Uns Velô marcam a percepção aguçada e referenciada do som que se fazia à época, tanto em relação à disco music quanto ao rock. Anos depois, já ao longo da década de 2000, o compositor reencontraria o rock, desta vez de forma mais minimalista: guitarra, baixo, bateria e voz. A Banda Cê, como ficou conhecida, foi formada por Caetano, Pedro Sá, Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes. O projeto rendeu três álbuns. O primeiro, com o mesmo nome da banda, ganhou o Grammy Latino, em 2007, de Melhor Álbum de Compositor, e a música ‘Não Me Arrependo’ venceu como Melhor Canção Brasileira.

Antecedendo o lançamento do segundo disco da Banda Cê, Caetano Veloso resolveu realizar o show Obra em Progresso para testar o repertório, além de apresentar sucessos de sua carreira e receber convidados especiais como Jorge Mautner, Teresa Cristina e Arnaldo Brandão. As apresentações foram realizadas no Vivo Rio e no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, no ano de 2008. No ano seguinte, o artista lançou o álbum Zii & Zie.

O terceiro álbum, que encerra essa fase da carreira do cantor, foi lançado em 2012. A extensa turnê pelo Brasil e mundo afora de Abraçaço consagrou o trabalho realizado ali. Logo nos primeiros shows, realizados no Circo Voador, no Rio, foi possível notar um público atento e que parecia ter ensaiado as músicas antes das apresentações. A plenos pulmões, a plateia, majoritariamente formada pelo público jovem, acompanhou todas as canções de Caê, das mais clássicas às mais recentes.

Enxergando o tempo como implacável e pelo entendimento de sua própria finitude, após se reunir com Gilberto Gil em uma turnê memorável, Caetano convocou os filhos Tom, Zeca e Moreno para o show Ofertório, que segue em turnê pelo mundo. No tempo em que muitos artistas recorrem a álbuns clássicos de suas respectivas carreiras como forma de perpetuação, o filho da Roma Negra se alimenta do passado e expõe o(s) novo(s), em carne e osso, ao seu lado no palco.

Antropofagicamente.

 

Por: João Santiago

 

 

Grupo Bedibê reinventa a música regional e o rock rural em novo disco

CAPA DO DISCO AMÉRICA (2019). ARTE: LUKA DORACIOTTO

Sá, Rodrix e Guarabyra ficaram conhecidos no Brasil e mundialmente pela proeminência na Música Popular Brasileira por meio da construção do estilo que ficou conhecido como rock rural. Entremeando elementos da cultura pop à música regional, o trio potencializou, em letra e música, a onda hippie que ganhava força no Brasil à época. Agora, em meio a um conturbado momento social, cultural e político, o grupo Bedibê lança o álbum ‘América’ unindo todos esse elementos a pitadas de psicodelia e latinidade.

A banda, que estreou na cena em 2016 com o disco ‘Envelhecer’, amadureceu muito sua obra de lá pra cá. Menos pop e solar do que o disco anterior, reflexo direto do transe tropical em que vivemos, o novo trabalho tem como temas centrais as relações familiares e a nostalgia, puxados por cenas e histórias de deslocamentos, sejam elas viagens exílios ou migrações. ‘América’ foi composto por músicos que, nascidos fora do centro de São Paulo, se encontraram nesse eixo na década mais agitada da política do país. É um disco político sem ser militante e contemporâneo sem correr o risco de ficar datado.

Confira o clipe em animação da canção ‘Esquina’, do primeiro álbum da banda:

O novo disco fotografa o interior do Brasil (e da América Latina) por meio de letras com dimensão épica, de arranjos eletro-acústicos que destacam a percussão, as intrincadas harmonias e os casamentos inventivos de instrumentos como a escaleta ao lado de arpejos clássicos no Fender Rhodes, ou do charango latino que dialoga com acordes dedilhados no contrabaixo. O disco conta ainda com piano, metalofone, gaita e cavaquinho.

Ouça a banda também no Spotify.

Por: Redação 

REPORTAGEM ESPECIAL: Caetano Veloso, o filho da Roma Negra (parte 2)

Exilado em Londres, Caetano Veloso lança o álbum que se tornou conhecido como ‘London London’ no ano de 1971. Retratando a experiência do artista em meio a uma toada melancólica, a maioria das canções é em inglês. A trajetória de Caetano começou na Roma Negra, em São Salvador da Bahia de Todos os Santos, como você pôde ler na primeira parte dessa reportagem especial.

A ação proposta pelo movimento tropicalista, que Gilberto Gil descreveria anos depois como o ‘abacateiro que amanhecerá tomate e anoitecerá mamão’, com versos presentes na canção ‘Refazenda’, foi levada às últimas consequências pelo filho da Roma Negra. Veloso, ao retornar do exílio e amadurecendo sua obra, foi construindo antropofagicamente uma teia de sentidos em suas canções e na forma de executá-las. Ora optando por uma relação musical que resgata as tradições brasileiras, ora por uma ótica cosmopolita que vigora desde sua experiência no III Festival da Música Popular Brasileira, de 1967. Ali, ao lado de um grupo de rock argentino, os Beat Boys, ele daria o primeiro passo para que se permitisse tais cultivares híbridos, com elementos da música pop atrelados à representatividade da cultura local.

A explosão da sensação do artista de ser um brasileiro com a perna no mundo e atento às particularidades da cultura mundial ocorre em dois álbuns lançados na década de 1980. Uns, de 1983, e Velô, de 1984, mostram Caetano Veloso maduro diante de sua obra. Nos dois álbuns, ele explora elementos do rock surgidos naquele momento, tanto de influências internacionais quanto nacionais.

É em Velô que ele subverte a lógica musical ao mesclar a música disco e o samba (aquele que nasceu lá na Bahia) na canção ‘Língua’. A letra destaca a pluriculturalidade brasileira e é ali que o compositor faz um tratado da importância da língua portuguesa. Logo de início ele cria uma relação de proximidade, por tal fato proposto, com Luis de Camões.

“Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira! Fala!”

 

Continua…

Por: João Santiago

Casa das Artes de Laranjeiras recebe curso para entender as bases da MPB

A História do Brasil e a Música Popular Brasileira se misturam em suas formas e letras. É com esse intuito que CAL – Casa das Artes de Laranjeiras lança um curso para entender as bases da MPB. Mais do que entreter, a música brasileira foi capaz de traduzir em letras, melodias e performances um país vasto e plural – ora apresentando suas belezas naturais e um estilo de vida leve e despretensioso, ora denunciando a pobreza, a miséria e a fome que também faziam parte da realidade de muitos brasileiros.

As aulas ocorrerão do dia 11 de setembro a 30 de outubro, sempre às quartas-feiras, e serão ministradas por Yke Leon, poeta, jornalista, apresentador, ator e roteirista. Yke trabalhou por seis anos na Rádio MPB FM e entrevistou grandes nomes da nossa música como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Nando Reis, Geraldo Azevedo e Alceu Valença.

Ao longo do curso, esses serão os principais temas abordados:

• Quando MÚSICA, POPULAR e BRASILEIRA passou a significar o
que conhecemos hoje como MPB.

• A história e o surgimento de grandes personagens da nossa
música brasileira, como Roberto Menescal, João Gilberto, Tom
Jobim, Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Milton Nascimento, etc, situando-os em seus respectivos
tempos históricos.

• Os antecedentes que possibilitaram o surgimento da Bossa
Nova, como o desejo de modernização urbana e a influência da
música americana nos jovens da zona sul carioca;

• A explosão da Jovem Guarda num país onde as televisões já
estavam começando a se espalhar e influenciar as audiências,
tanto no Brasil como no mundo. Aliado a isso, registra-se
também a influência do cinema e de astros como James Dean
e Marlon Brando, e também, dos Beatles, dos Rolling Stones e
de Elvis Presley na consolidação de um determinado modelo e
ideal de juventude;

• A Era dos Festivais e o surgimento de artistas que passam a
se posicionar não mais como intérpretes ou compositores
de canções, mas como intelectuais atuantes. Falaremos dos
festivais da TV Excelsior, da TV Record, da TV Globo e da TV Tupi.

• A diferença performática e estética entre cada um desses
movimentos, tanto no que diz respeito à identidade sonora,
como ao movimento de um corpo em cena.

Saiba mais e inscreva-se!

 

Por: Redação 

 

Lekinnn estreia na cena com canção que resgata a memória afetiva; ASSISTA AO CLIPE

O portal Música Brasileira Viva tem acompanhado de perto uma forte cena crescente da Música Popular Brasileira oriunda da cidade de Volta Redonda, no interior do estado do Rio de Janeiro. Por aqui você já conferiu a entrevista que fizemos com Mandu e o lançamento da canção Me Julgue. E quem vem chegando agora para fazer coro a esse cenário é Lekinnn, com a música ‘Peça’ que acaba de lançar junto com seu primeiro videoclipe. Com influência de Jorge Ben Jor, o artista se lança para o mundo com um resgate da memória afetiva, apresentando um pedido de humildade e atenção na caminhada.

‘Peça’ reflete sobre saber chegar nos lugares e ter em mente que somos todos muito importantes. Todo o trabalho de produção/gravação/mixagem/masterização da música ficou por conta de Pablo Duca e Raphael Garcez, comandantes do BBHT (BeatBass HighTech) e do home estúdio QVP (Quarto Da Vó Penga, situado em Volta Redonda – RJ). Num trabalho de cerca de 2 meses, lekinnn e BBHT construíram o beat com elementos orgânicos que pudessem ser o chão do violão swingado da música e que trouxesse uma sonoridade lo-fi pra passar a mensagem de forma relaxante.

Ainda no mês de agosto, o artista entra em estúdio para gravar seu primeiro álbum.

Confira o single nas principais plataformas de streaming:

https://smarturl.it/sfcrfz

 

Por: Redação

Mandu na série ENCONTROS MBV: ‘Eu acho que a gente vai chegar a um ponto em que a música brasileira vai ter um destaque global, verdadeiramente global’.

Abrindo a série ENCONTROS MBV, entrevistamos o cantor e compositor Mandu. O artista, que antes era conhecido com seu nome próprio, Anderson Almeida, hoje vive entre a cidade de Volta Redonda – sua terra natal – e o Rio de Janeiro. Recentemente lançou a canção Me Julgue junto com videoclipe dirigido e roteirizado por ele mesmo. Apesar de ter composto a canção há quatro anos, Mandu preferiu deixá-la maturando a espera do momento certo. E o momento chegou. Com uma sonoridade ímpar, repleta de referências (diretas e indiretas) que vão desde Bob Dylan a Cazuza, o cantor chega com a competência e o frescor de um som novo e conciliador em um país dividido.  ‘O pessoal tá achando que o diálogo é opcional. E eu acho que não é não’, afirmou o artista que pretende, com a sua música, unir mais as pessoas.

Mandu falou de suas inspirações musicais no finalzinho da entrevista, mas no dia seguinte entrou em contato conosco para lembrar de duas grandes referências não citadas: Paulinho da Viola e o Clube da Esquina. Você pode conferir o relato dele no vídeo abaixo no MBVTV e, em sequência, a entrevista completa.

 

Música Brasileira Viva: Mandu, a música que você faz te empodera? Em que medida?

Mandu: Acredito que sim, me empodera, mas quando eu permito que ela me empodere. Eu acho que eu consigo por meio da minha música acessar lugares da minha vida e da minha cabeça, que fazem com que eu me sinta realmente empoderado. Mas eu preciso permitir isso. E quando eu digo permitir, às vezes não é muito consciente. Tem dia que eu falo: ‘pô, tenho que me libertar um pouco’. Às vezes eu tô muito preocupado com a guitarra, em como a guitarra tá soando, como a banda tá soando. Por conta de eu ser artista solo e não ter nenhum produtor musical, acaba que eu sou responsável por coordenar a banda também. Por mais que eu confie nos meus músicos, a gente ainda tá numa fase (porque eu comecei a ensaiar com uma galera nova) em que eu tenho que prestar muita atenção em muitas coisas. Então acaba que o meu empoderamento por meio da música fica, nesse momento, um pouco comprometido porque eu faço um papel que não é só de me soltar. Mas é culpa minha, não tô dizendo que é bom isso não.

MBV: Mas por quê você considera que é culpa sua?

M: É porque eu sou muito preocupado com a qualidade do negócio. Com o groove, com muita nota… Eu odeio coisa muito complexa desnecessariamente. Eu acho que tem coisas que tem que ser complexas, mas a minha música não pode ser, senão ela perde um pouco do sentido. Eu fico prestando muita atenção pra ver se o batera tá fazendo coisas demais, se ele está focado na parte dele e esquecendo que ele tá tocando com o todo. É por causa disso. Eu me incomodo muito com excessos ou com a falta de alguma coisa. Isso que me limita um pouquinho, mas eu tô melhorando nesse aspecto, tô ficando mais relaxado. 

MBV: Recentemente você lançou a canção e o clipe da música ‘Me Julgue’. Antes, você assinava os trabalhos como Anderson Almeida, que é o seu nome mesmo. O que o levou a mudar essa trajetória? Como foi esse processo?

M: Foi um processo legal, tá sendo ainda. ‘Mandu’ eu espero que continue pra sempre em construção. É muito clichê falar isso, mas é verdade. Eu trabalhava com mercado, né?

Eu sou administrador e trabalhava com mercado financeiro e sempre gostei. Nunca foi tipo aquela frustração por não ser músico. Mas de uns tempos pra cá, não sei porque, a música voltou a falar muito comigo e aí, ser Anderson Almeida naquele momento fazia muito sentido porque eu acho o meu nome até relativamente sonoro, não me incomodava isso, por mais que ele fosse um pouco sério. Tem até um amigo meu, o Mike, de uma banda muito legal chamada Outroeu e ele falava pra mim: ‘pô, cara. Anderson Almeida dos Teclados?’.

Uma coisa meio cafona… Não que isso seja necessariamente ruim, mas pro tipo de música que eu faço não cola. E aí os anos foram passando e eu fui de pouco em pouco sendo convencido subconscientemente, mas uma semana antes de eu falar que eu era Mandu, eu falei pra ele no telefone. Ele falou pela milésima vez: ‘cara, você tem que ser Mandu. Mandu é legal’. E eu falei pra ele: ‘cara, pode ser que eu mude pra Mando, Mandinho’ – porque meu apelido mesmo é Mando – ‘mas Mandu eu te garanto que não vai ser’. Uma semana depois eu tive meio que uma micro epifania e minha cabeça falou pra mim: ‘cara, você é Mandu’, aí foi isso.

MBV: Mas foi essa epifania mesmo vinda desse apelido então?

M: É, foi um apelido. Porque assim, o meu nome é Anderson e na família do meu pai o pessoal me chama de ‘Andinho’. E aí há uns 10 anos, eu comecei a ficar amigo de um rapaz que era namorado de uma prima minha, da família do meu pai. Aí ele começou a me chamar de ‘Mandinho’, porque ele achava que o meu apelido era esse e não ‘Andinho’. E aí muita gente hoje em dia me chama de ‘Mando’, aí pegou daí. E o ‘Mandu’ é uma variação disso e quem inventou foi o Mike mesmo. Aí algumas pessoas começaram a me chamar de ‘Mandu’, de brincadeira, e aí um belo dia eu fui convencido por isso, sei lá, é muito estranho. Eu não sei nem explicar muito como eu fui convencido. Eu acredito que a vida vai muito além daqui, né? E, assim, pra mim não era só a minha cabeça que tava falando comigo, eu me senti, não digo obrigado, mas profundamente orientado a aceitar aquilo. É uma tentativa de eu me aproximar mais das pessoas, eu acho esse nome mais curtinho. Eu acho que é mais fácil as pessoas se verem no Mandu que no Anderson Almeida. É um pouco mais brasileiro. Por mais que Anderson seja um nome muito usado e Almeida seja um sobrenome português, o ‘Mandu’ é mais brasileirão. Ele é menos português e mais brasileiro. E outro motivo pelo qual eu usava Anderson Almeida e agora eu não uso mais é porque eu morava nos Estados Unidos. Lá ‘Anderson Almeida’ é um negócio meio exótico, meio diferente, intrigante. 

MBV: E sobre o clipe de ‘Me Julgue’? Como foi o processo de criação? Começou já há bastante tempo?

M: Já. Já tem mais de um ano. Essa música é antiga já, já tem quatro anos. Então eu ainda era Anderson Almeida quando eu fiz (risos). 

MBV: Mas você não chegou a lançar antes?

M: Não, não lancei antes não. Eu deixei ela pra depois, até porque as músicas que eu lancei como Anderson Almeida eram um pouco mais pop. Eu fiz essa música mais ou menos na mesma época que outras, como Disfarce, Estive Atento, que é uma música minha que vai sair em breve, e que eu tinha uma versão antes em inglês que se chama Trust the Tide. Fiz mais ou menos na mesma época e todas estão em ‘Anderson Almeida’, só ‘Me Julgue’ que não tá. Mas eu fiz na mesma época também. Quando eu tava morando nos Estados Unidos, eu era amigo de uma galera foda. Eles tocavam bem e eu queria, inclusive, gravar um disco com todos eles um dia. Mas eu gravei ‘Disfarce’, que foi a primeira música que eu lancei, com essa galera e depois, uma galera muito parecida, quase o mesmos músicos, a base da banda, eu gravei com eles também ‘Me Julgue’. A música já tá gravada desde 2016, uma parte dela. Aí depois eu vim pro Brasil passar férias, uma banda lá de Volta Redonda chamada Amplexos, que é muito, muito foda, e ela tem o Matché e o Tolentino. O Tolen é percussionista e o Martché é o tecladista. Os dois são gênios. E gênios humildes, simples e pessoas muito legais. E eles toparam fazer tanto Me Julgue quanto Disfarce comigo. Eles gravaram os teclados e a percussão. E aí os teclados, a bateria e o baixo da canção já estão gravados desde 2017. Só que o tempo foi passando, ela ficando ali – não que eu tivesse desistido de lançar, não foi isso não -, mas ela tava lá porque eu tava fazendo um trabalho mais pop e pensei em fazer isso depois. Eu não ligo muito de ser pop ou não o som, desde que seja legal.

O clipe de ‘Me Julgue’ chegou no ano passado. Eu me reuni com o Lucas e com o Júlio e falei: ‘cara, eu quero fazer um clipe’. Mas aí o Júlio que foi diretor de fotografia, ele ia fazer a direção, o roteiro e tal. Só que aí, no final das contas, eu comecei a criar a história na minha cabeça e eu mesmo que fiz a direção e o roteiro. E o Júlio filmou, obviamente, fez a direção de fotografia, escolheu as lentes, essas coisas que eu não sei nada. E o Lucas fez a produção. Mas a gente começou a conversar a respeito disso em maio do ano passado (2018) e aí no final do ano a gente começou a gravar.

Aí eu gravei oito dias e depois eu fiquei, sei lá… Cara, que experiência louca. Porque eu fiquei editando… Os meninos também editaram, mas assim…Eu tinha comprado um computador novo que me ajudou pra cacete porque não ficava travando. Aí eu fiquei uns 10, 11 dias editando. Foi uma maratona. Eu não sabia editar e eu tive meio que reconstruir o roteiro na edição porque muita coisa ficou diferente. Eu fui parcialmente dirigido pelo clipe. Eu te afirmo isso com tranquilidade. Boa parte daquilo que tá ali, o clipe foi meio que se resolvendo à medida em que eu fui trabalhando. Eu senti que o universo tava meio que me dando algumas coisas, tipo assim ‘ah, cara. Você não sabe fazer isso aqui direito, mas a gente vai te ajudar’. Eu senti um pouco disso.

MBV: E o resultado todo mundo viu já, né? Ficou muito bom

M: É, eu gostei muito. Fiquei muito feliz. É difícil às vezes falar, né? Porque parece que a gente tá se achando o fodão e eu odeio isso. Mas eu também gostei muito. Fiquei feliz pra caramba. 

 

MBV: Você tava falando de uma música em inglês que você lançou e que vai fazer uma versão dela em português. Mas por que você fez uma música que mesclasse o português com o inglês? 

M: Eu morei nos Estados Unidos, pela segunda vez, no começo de 2016 e a metade de 2018. Eu fiz uma pós-graduação e fui gravar as músicas também. Primeiro eu gravei ‘Disfarce’ e ‘Me Julgue’ com o pessoal que ficou lá e aí meu pai viu que eu tava muito ligado nas coisas de músicas, virou pra mim e disse: ‘meu filho, por que você não faz um negócio com uma qualidade muito boa? eu te ajudo’. Aí eu conheci um produtor de Los Angeles, falei com o cara e mandei as canções pra ele. Tinha Gently, que é toda em inglês, Tudo o que eu te digo, que é toda em português, e Trust the Tide, que é parte em inglês e parte em português. Eu fiz isso na época porque eu tava realmente morando nos Estados Unidos. E as pessoas de lá gostavam muito de me ver cantando em português, mas elas preferiam me ouvir cantando em inglês.

Quando eu era pequenininho, eu tinha parte da família que morava nos Estados Unidos e eu ia visitá-los. Eu não sabia falar inglês quando eu era pequeno, só quando fiquei mais velho, mas meu subconsciente parece que gravou muito da pronúncia. Quando eu canto em inglês as pessoas não reparam muito que eu sou brasileiro, sabe? Eu quis usar aquilo a meu favor. Achei melhor gravar, parcialmente pelo menos, em inglês, sem querer enfiar o português goela abaixo da galera. Acabou que não deu muito certo em termos comerciais. Eu acabei voltando pro Brasil e a propaganda que eu fiz, tudo, os shows foram feitos aqui como Anderson Almeida. Não foram feitos lá porque eu voltei a morar aqui. Se eu tivesse focado mesmo nos Estados Unidos, talvez tivesse me rendido um pouco mais de fruto. Mas eu acho que isso é algo que eu tenho que pensar pra daqui a muito tempo. Eu gosto e acho importantíssimo estar no Brasil agora. Acho que a gente precisa muito se unir. E eu acho que a música pode me ajudar a conseguir me unir com pessoas que, talvez, se eu não estivesse aqui, eu não fosse conseguir. 

MBV: Você acha que esse momento mereceria essa união? Precisaria dessa união?

M: Precisa. Eu evito falar dessas coisas, mas… Tá todo mundo brigando e isso me deixa muito chateado. E eu tenho amigos de tudo quanto é crença que você pode imaginar. Tanto no Brasil quanto fora. Mas eu digo mais no Brasil mesmo, eu tenho hoje em dia amigos que deixaram de falar uns com os outros por causa de política. E eu conheço todo mundo muito bem, não são colegas, são realmente amigos. E isso me chateia profundamente. Eu queria poder usar um pouco do talento que eu venho lapidando, um pouco das emoções que eu sinto e da minha personalidade acima de tudo, porque eu sou uma pessoa que pensa muito assim. Eu não gosto de ver as pessoas brigadas… Canceriano é foda, né? Eu não gosto de ficar brigado com ninguém, ninguém. Se eu fico brigado com alguém eu não consigo nem dormir direito.

Quero tentar usar um pouco da minha profissão para ajudar a minha vida um pouquinho e talvez os meus amigos e, se um dia eu ficar famoso, as pessoas se sentirem conectadas por meio daquilo. Eu acho que música tem que ir muito além dessas brigas. Eu não consigo ir ainda. Eu acho que minhas músicas são despolitizadas, mas isso não quer dizer que elas estejam acima das músicas políticas. Eu acho que não. Eu acho que ainda tenho um longo caminho pra trilhar, pra conseguir fazer as coisas que eu quero. Mas eu não pretendo falar de política. Eu não me vejo falando disso. E não tem nada a ver com questão comercial porque eu acho que tem muito público de esquerda e tem muito público de direita. Acho que tem gente pra consumir música política de qualquer jeito. Não tem a ver com isso. Tem a ver com o fato de que eu prefiro estar no meio do caminho sempre. O caminho do meio é o que menos me assusta. Não tô dizendo que ele não é assustador. 

MBV: O seu lado pessoal, nesse sentido, influencia a sua arte?

M: Não, influencia a minha arte, mas eu tenho opiniões. Não tô dizendo que não tenho opiniões políticas, eu tenho muitas. 

MBV: Aproveitando isso que você está falando, qual a sua perspectiva sobre o governo Bolsonaro?

M: Eu acho muito ruim, eu acho muito ruim. Acho que poderia ser pior, mas eu acho muito ruim. É muito difícil eu falar pra você  que eu gosto de alguma coisa, de algum governo. Mas eu acho o governo atual ruim. O que, do meu ponto de vista, não anula a necessidade de diálogo e eu acho que essa é a minha maior preocupação. Por isso que eu não gosto de falar de política nas músicas. Eu sinto que o pessoal ainda não tá preparado pra ver um músico falando que é necessário o diálogo.

As pessoas estão querendo ver as outras falando de ataque. Eu poderia atacar o governo de várias formas – eu acabei de falar que acho o governo muito ruim -, mas eu não acho que isso seja necessariamente igual à eficácia. Ser combativo é, claro, necessário. Eu acho que tem gente que nasceu até pra fazer isso mesmo, mas o pessoal tá achando que o diálogo é opcional. E eu acho que não é não.

Por isso que a gente conseguiu em outros governos ter boas conquistas, né? Na década de 90, 2000 a gente teve muitas conquistas por conta de diálogo. Foi um diálogo complicado… Eu não vou entrar nesses detalhes porque a gente já sabe como é que banda toca. Mas é inegável que o diálogo teve um papel importantíssimo e hoje em dia não acho que esteja havendo muito. Eu sou 100% a favor do diálogo, mesmo que seja pra você falar que o cara tá completamente errado. Mas você precisa explicar pra ele o porquê você acha que ele tá errado e ele precisa explicar pra você porque que ele acha que você tá errado. Se isso não acontecer, bicho, eu acho que a gente não vai mesmo sair do lugar. A gente vai ficar empacado enquanto nação, enquanto a gente não for mais humilde. Eu digo eu também. Porque eu não sei ouvir direito, sabe? 

MBV: Olhando de certa forma para esse cenário também, pra você quais são as maiores dificuldades e facilidades de fazer música independente no Brasil?

M: É difícil pra cacete. É até difícil olhar para as facilidades. Eu digo isso porque eu tenho o apoio da minha família e, assim, meu pai não é músico, minha mãe não é musicista, minha irmã também não. Minha família não tem música, eu sou o único. Mas eu tenho apoio. Inclusive, se eu estiver passando aperto financeiro, sei que meus pais vão me dar uma ajuda. E sou profundamente grato por isso. E mesmo assim é difícil pra mim. Tive oportunidade de estudar num bom colégio, fiz faculdade e tal, e ainda é difícil pra caramba. E agora por que? Porque você tem que ir contra o senso comum. As pessoas não entendem e, inclusive, músicos não entendem que ser músico é trabalho, é uma profissão.

O pessoal às vezes tem dificuldade de olhar dessa forma porque tá todo mundo se divertindo quando tá ouvindo música e aí acaba se esquecendo do que tá acontecendo por trás. Fazer música é um processo profundamente complexo, se você for fazer muito bem feito. E mesmo se não for muito bem feito, é difícil mesmo. Eu acho que tem a ver com isso, você ir contra conceitos que te levam a crer que música é uma parada meio… ‘ah, você é muito doido, né? Você é músico’.

É difícil você se enxergar como um verdadeiro profissional e as pessoas que conseguem se enxergar dessa forma rompem uma barreira que elimina uma parte – não digo a maior a parte das dificuldades-, mas uma dificuldade que é muito grande. Outra coisa tem a ver com o preço das paradas. Preço de tudo. Se você quer comprar uma boa guitarra, das duas uma: ou você tem muita grana, ou você trabalha igual um condenado para conseguir comprar uma boa guitarra. Não tô dizendo uma guitarra excelente, tô dizendo uma guitarra que você consiga tocar e que ela consiga entregar uma parte daquilo que você quer mostrar. É lógico que hoje em dia com o Mercado Livre, essas coisas, você consegue comprar, às vezes, um instrumento com um preço legal. Mas é muito difícil ainda. Eu acho que o preço das coisas é muito complicado. E outra parada tem a ver com cultura também… Você tem várias coisas, né? Falta de lugar pra tocar, que é uma merda, mas tem uma outra parada que eu acho que prejudica um pouco a música nacional como um todo. Músico, de maneira geral, era pra ser muito cabeça aberta, mas nem sempre é. As pessoas são meio cabeça fechada. Tem muita gente presa dentro de um conceito que não faz o menor sentido, do tipo ‘ah, eu só posso tocar isso’ ou ‘você só pode fazer isso’. Tem gente que não aceita o fato de ter um artista brasileiro que vá cantar um disco inteiro em inglês, por exemplo. Como assim? Por que não? Se ele quiser, qual o problema? Ele não deixa de ser músico brasileiro por causa disso. E tem gente que acha também que música nacional é ruim. Tem uns músicos que acham que música nacional é ruim, só porque a qualidade da gravação, das antigas principalmente, não é boa. Eu acho que as pessoas estão muito cabeça fechada, sabe? Isso prejudica pra cacete. É muito difícil você fazer música e ter a cabeça aberta porque a maioria dos artistas ainda tem a cabeça fechada. Eu não tô falando mal dos meus colegas não porque eu também sou cabeça fechada. Mas a gente precisa se abrir mais. Tem também uma questão cultural, que eu acho que não tem a ver com o fato de ser músico, mas da dificuldade de produzir conteúdo de qualidade. Como as coisas são muito caras, a gente não tem uma cultura de engenharia de som, de mixagem, de master. As pessoas não sabem fazer uma boa gravação. Você vê, por exemplo, meus amigos gringos são todos de classe média pra classe média baixa, sempre tiveram uma vida, pro padrão americano, corrida pra caramba, mas eles sacam muito de engenharia de som. Lá você vai em uma loja e consegue comprar a parada. Você tem um equipamento que é razoável pra ruim, mas você sabe cada detalhinho dele. E aqui no Brasil, infelizmente, não é assim. Se você for numa comunidade, mesmo no Cantagalo, que pra uma comunidade carente é um lugar tranquilo, onde boa parte das pessoas tem dinheiro pra comer, boa parte das crianças frequentam a escola, um lugar light, digamos assim, pro padrão que o Rio de Janeiro tem de problema… Eu trabalhava numa ONG lá que, pra galera conseguir um equipamento básico do básico era uma dificuldade enorme e isso me deixa muito chateado. Porque você vê o nível de talento das crianças, você vê o nível de aptidão das crianças pra fazer as coisas e, pra você desenvolver sua disciplina como músico, tá muito aliado a você ter condições básicas de fazer aquilo. Se aquilo não é prazeroso e você não tem o mínimo de apoio, se torna muito difícil porque você vai ter conflitos na sua vida com as pessoas e consigo mesmo por conta de ter feito aquela escolha. E isso tá ligado a você ter pelo menos o basiquinho. Tipo banda de garagem. É uma parada que não existe, cara. É foda. Eu toquei com uma banda e a galera tinha ensaio de um dia inteiro. Ligam o equipamento e ficam lá improvisando o dia inteiro. As músicas vão surgindo com muito mais naturalidade. A gente tá aprendendo a fazer as coisas da nossa forma.

Eu sou muito otimista, eu acho que a gente vai chegar a um ponto em que a música brasileira vai ter um destaque global, verdadeiramente global. Acho que a música brasileira vai ser A música um dia. 

MBV: E você acha que as plataformas de streaming podem contribuir pra isso?

M: Pra caralho, pra caralho! Eu acho essencial. Streaming eu acho uma das maiores dádivas do século 21. É uma parada importantíssima pros artistas hoje em dia. E eu fico puto pra caralho quando eu ouço alguma pessoa falar assim: ‘ah, o problema é que hoje em dia todo mundo pode lançar na internet, né?’. Eu falo assim: ‘brother, o que é que você tá falando? Cala a boca’. Tem que ser o contrário, tem que ser o máximo de pessoas possível lançando. Tem que ser massivo o lançamento e tem que lançar cada vez mais. O artista, individualmente, tem que lançar o máximo de coisas possível e perder a vergonha, abrir a cabeça. 

MBV: E quais são os artistas que mais te influenciam hoje?

M: Eu divido em duas paradas: os que aparecem no meu som e os que não aparecem. Os que aparecem – e eu tento até usar um pouco o público como termômetro,até porque é difícil pra mim como artista ver o que está aparecendo – acho que tem um pouco de Arctic Monkeys, em Me Julgue especificamente. Um pouco de Black Keys também. Por mais que eu não ouça muito, acho que tem um pouquinho. Tem um pouquinho de Santana, olhando mais pra trás, porque tem um clima meio latino e tal, e até agradeço ao Tolen (percussionista da banda Amplexos), que enxergou e implementou isso de uma forma muito legal. Os teclados têm uma mistura de anos 60 e 70 com uma parada um pouco oitentista. As cordas e os sintetizadores meio oitentistas. Aí tem também rock Brasil, tipo Cazuza. Você enxerga Cazuza ali? Tem muita gente que enxerga.

MBV: Eu enxergo. 

M: Principalmente ao vivo. No ao vivo eu me animo um pouco mais, eu toco com trio, não tem teclado nem percussão, então a gente soca um pouco mais a mão e eu fico um pouco mais rock and roll. Acho que tem um pouco de rock Brasil, mas o Cazuza é o que mais transparece. E os singles que vão vir em breve já lembra Lulu Santos um pouquinho, tem gente que fala um pouco de Rita Lee, Leo Jaime… 

MBV: Você bebe muito dessa fonte do rock 80, né? Nacional e internacional também. 

M: Eu bebo, mas vão ter outras coisas que não vão beber tanto. É até difícil achar uma coesão nesse meio todo. Porque não adianta só você fazer uma música que seja minimamente legal porque eu acho que ainda tô longe do excelente ainda. Eu acho que o fato de eu estar no meio e a minha personalidade não é tão forte já ajuda a ter uma certa coesão. Mas eu sinto falta de algumas amarras ali que eu tô procurando, alguns nós que eu preciso dar para que o negócio realmente pareça um conjunto que se comunica e não só ‘ah, esse cara é muito doido, ele faz isso, faz aquilo e nada tem a ver’. Eu quero que tenha a ver, né? Das influências que não transparecem…

Eu sou completamente fanático pelo Bob Dylan. Sou muito fã. Algumas coisas vão começar a transparecer um pouco mais em algumas coisas que eu tô fazendo, eu gosto muito da Legião Urbana, sempre gostei. Desde os 10 anos de idade que eu ouço muito Legião. Eu ouvi muito Novos Baianos, muito mesmo. Eu era viciado nos Novos Baianos, ouvia o dia inteiro.

Djavan eu gosto muito, tanto a parte oitentista mais cafoninha, eu acho lindo aquilo quanto a parte mais tradição mesmo, também gosto pra cacete. O primeiro disco do Djavan, pra mim, que você precisa ouvir centenas de vezes pra começar a sacar o quão importante ele é pra Música Popular Brasileira. Pra música mundial até, porque ele influenciou muita gente. Tem Neil Young, tem muita gente, bicho. Tem música minha que tem influência do Neil Young, então dá pra dizer que ele é muito importante. As bandas com as quais eu toquei nos Estados Unidos me influenciam. Eu tava ouvindo Alabama Shakes vindo pra cá e o hip hop hoje em dia tá dialogando muito comigo, principalmente o Kendrick Lamar. Eu acho ele muito, muito foda. Gosto do Kanye West pra caralho.

MBV: Além dos artistas, o que mais te influencia? Pra compor principalmente.

M: Sentimentos e situações. Lembrar de situações… Tem uma música minha que vai sair em breve, que se chama Argumentos e é uma música sobre uma viagem que eu fiz no ano passado, uma road trip com uns amigos. É um sonho de vida que a gente conseguiu concretizar. Peguei uma boa parte da minha poupança e gastei. E me rendeu uma música. Eu espero que a galera curta. A gente saiu do Colorado, nos Estados Unidos, e fez um arco até a Califórnia. Nós passamos por vários estados americanos de motorhome. E a gente fez a música junto. Geralmente, então, são sentimentos provocados por situações, lugares e pessoas. Eu tenho muitas letras que eu nunca musiquei, muita coisa. E tem várias vezes que eu tô dirigindo, aí eu tô ouvindo uma música de alguém que eu gosto muito e às vezes alguma linha melódica me toca de uma maneira, eu paro a música e meio que começo a criar uma outra melodia por cima daquilo, com outro ritmo e tal. Eu tenho o maior medo de copiar os outros, né? Tem várias vezes que você copia sem nem reparar. As letras são reflexões de situações e as melodias surgem… Não sei muito bem explicar como. E tem muita coisa que é transpiração, né? Do tipo: eu preciso entender o que que essa canção é. E aí eu sento lá no meu quarto e tal. É um negócio que eu tô aprendendo ainda. Eu sou muito indisciplinado, mas eu tô conseguindo achar um jeito de criar uma disciplina que respeite também os meus limites de criatividade. 

MBV: É, foi até o Tom Jobim que falou que música é 5% inspiração e 95% transpiração, né? 

M: É isso aí, é isso aí. E quem fala que não é tá querendo se colocar num patamar diferente do seu. Não acredite nessa pessoa. Djavan é um cara que fala isso também. E são caras geniais que fizeram a diferença no planeta, musicalmente falando. E eles tiveram a hombridade e a humildade de deixar isso muito claro. Eu acredito que a inspiração é, de certa forma, uma recompensa do seu subconsciente pro seu esforço. Não só do seu esforço porque você tá sentado e fazendo, mas às vezes você tá passando por uma situação complicadérrima na sua vida, aquilo parece que vai minando a confiança em você mesmo e a inspiração vem e fala: ‘cara, você se esforçou muito pra não cair na vala nesse últimos meses e você tá recebendo essa inspiração aqui de presente’. Não é só um esforço musical, é um esforço na vida de maneira geral, mas o seu principal esforço é com o instrumento ali. 

 

REPORTAGEM ESPECIAL: Caetano Veloso, o filho da Roma Negra (parte 1)

A Roma Negra, mais conhecida como São Salvador da Bahia de Todos os Santos, é assim vista e explorada no cancioneiro brasileiro em contraponto à tal Roma Branca, localizada na Itália. Se lá é a capital da Igreja Católica, a Bahia é o Vaticano do Candomblé. Sua população, majoritariamente negra e orgulhosa disso, transpira a admirável capacidade de manter sua tradição, por meio das manifestações culturais, formas de estar, comer e vestir durante centenas de anos.  Sua ancestralidade lutou contra a mais cruel das opressões: a escravatura.  E se o ‘samba nasceu lá na Bahia’, como foi sacramentado por Vinícius e Baden, Caetano Veloso foi quem, antropofagicamente, construiu ao longo de sua jornada a união de tal afirmativa às tradições de sua terra, à música pop, à voz e ao violão de João Gilberto.

Essas reverberações que o artista tropicalista projeta são como o efeito da ‘chuva que lança areia do Saara sobre os automóveis de Roma’, presente na canção Reconvexo e reflexo da realidade: de fato uma tempestade de areia no Egito é capaz alcançar a cidade italiana! E também a Amazônia, como sugere o poeta em seguida:

Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia

Caetano nasceu na cidade de Santo Amaro, na Bahia, no dia 7 de agosto de 1942, e é perito na obra de João Gilberto. Literalmente, sim, perito. Em 2011, o artista atuou como assistente técnico da defesa de seu conterrâneo.

Segundo laudo divulgado à época, “Ouvindo-as (as músicas) sem os artifícios que as desfiguraram, maravilhei-me ao tomar consciência de que elas são ainda mais deslumbrantes do que estavam em minha memória”. E avaliou: “O processo de remasterização adotado nos discos de João Gilberto foi o pior possível. A remasterização foi péssima, com resultado superlativamente ruim, em relação aos LP’s”.

Caê começou a carreira profissional no ano de 1965, com o compacto Cavaleiro/Samba em Paz. O cantor e compositor acompanhava sua irmã mais nova, Maria Bethânia, no Rio de Janeiro, em suas apresentações no espetáculo Opinião. Em 1963, ele conhece Gilberto Gil, apresentado pelo produtor Roberto Santana. A identificação foi imediata e os dois se tornaram amigos muito próximos. Em 1967, Caetano se apresenta no III Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, com a canção Alegria, Alegria. O movimento de incluir guitarra na música brasileira, que o artista afirmou ser uma ‘decisão política’ no documentário Uma Noite em 67 (Renato Terra e Ricardo Calil) diametralmente oposta à passeata realizada meses antes, por parte da classe artística brasileira, contra a guitarra elétrica, contou com a participação do grupo argentino Beat Boys. 

Em 1969, o artista foi preso pela Ditadura Civil-Militar e partiu para o exílio na cidade de Londres, na Inglaterra, com Gil.

Nesse mesmo período, exilado, Caetano recebeu a visita do já consagradíssimo rei Roberto Carlos. Ali, o rei apresentou a canção As Curvas da Estrada de Santos, que emocionou todos os que estavam presentes, principalmente o compositor baiano. Roberto ficou tão comovido que, quando retornou ao Brasil, compôs Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos para o amigo.

Confira a história desse encontro contada pelo próprio Caetano:

O artista brasileiro, que já havia promovido o movimento tropicalista antes mesmo de partir para o exílio, voltou fazendo barulho pra valer, unindo-se a Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia com o grupo Doces Bárbaros. Caetano disse, anos depois, em uma entrevista coletiva quando o grupo se reuniu novamente, em 2002, que ele via ‘os quatro sobre uma luz separada e especial’ em relação ao que já haviam feito separadamente ou com outros grupos até então. O movimento tropicalista, que culminou no disco Tropicália ou Panis Et Circencis, permitiu e abriu o caminho para que os Doces Bárbaros pudessem existir, mas não só eles. Abriu espaço para toda uma geração de artistas como os jovens mineiros do Clube da Esquina, os Novos Baianos e duplas que mesclavam o tradicional ao urbano como Kleiton & Kledir que, originalmente, haviam feito parte de um grupo de rock: Os Almôndegas. 

Em 1987, no documentário Eclats Noirs du Samba, dirigido por Paulo Moura, Gil e Caetano conversam sobre os desdobramentos do movimento que os tornaram notoriamente conhecidos:

Caetano reuniu elementos em sua música que lhe permitiam impactar desde a tempestade de areia do Saara à Roma Negra e à Roma Branca. Subverteu e acolheu a ordem joão-gilbertiana ao promover uma forte transformação na Música Popular Brasileira. Ao integrar elementos da música pop ao tradicional, o artista baiano rompeu as fronteiras da cultura nacional e, ao lado de Gil, radicalizou quando foi necessário e, já que a arte não tem fronteiras, por que ele teria?

 

Continua…

Por: João Santiago