CRÔNICA: Meia-noite na Mooca

avenida paulista

Era uma noite escura de profunda imensidão quando adentrei a passos largos uma padaria do bairro da Mooca, em São Paulo. O balcão sujo contrastava com o luminoso salão de onde podia se ver, ao fundo, três rapazes e uma moça que pareciam ter vindo de outra galáxia.

Miriam tinha um cabelo curtíssimo e usava uma calça boca de sino, com o cano molhado das poças de chuva das ruas. Raul vestia uma jaqueta estilo Elvis Presley e tinha uma barba imensa, onde guardava um inesperado cigarro. Edir gesticulava enquanto falava, e usava roupas largas, que disfarçavam sua gordura. Sérgio usava uma camiseta estampada com o Mickey preto e branco e uma calça que superava o umbigo.

No canto fundo do recinto, a luz do salão não alcançava, permitindo aos tais uma privacidade única que logo seria interrompida por mim. Aproximei-me do grupo e acendi um cigarro. Conversavam tão animadamente que não perceberam minha presença. Ao balcão, pedi um café e um pão na chapa. Raul, então, levantou-se e disse:

        – Bicho, que fome! Me descola um pedaço desse pãozinho.

Prontamente assenti com a cabeça e passei para ele o pratinho de vidro fosco. Miriam levantou-se, pegou uma caixinha de fósforo sobre o balcão e chamou-me para fazer parte da roda. Na caixinha, a moça começou a batucar, enquanto Sérgio cantarolava a letra de uma música que lia na palma da mão.

.O mundo parecia ter parado naquele momento. Queria eu ter uma câmera fotográfica e registrar aquela noite, mas só tinha uma caneta e um guardanapo, em que escrevi estas torpes linhas. Após madrugada adentro de papo-cabeça, nos despedimos. Meses depois, tive notícias dos quatro pelos jornais. Haviam formado uma sociedade.

 A Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.

Por: João Santiago