Queremos! Festival 2019: A festa da diversidade

FOTO: ANA ROMAGUERA

 

O sol despontava no horizonte da Baía da Guanabara quando os portões da Marina da Glória, no Rio de Janeiro, abriram às 13:30 para receber a segunda edição do Queremos! Festival. A primeira atração estava marcada para uma hora depois, mas o público já chegava antes pra garantir seu lugar à sombra em dia típico de outono carioca. O aguardado evento contou com a presença de novas promessas da nossa música e artistas renomados. A Orquestra Sinfônica da Petrobras abriu os trabalhos, executando canções do filme Bohemian Rhapsody, que narrou a história da banda inglesa Queen e de seu intérprete Freddie Mercury.

MBV NO QUEREMOS
Palco Rosa do Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Era um excelente presságio do bom gosto que a curadoria do festival ofereceria para o público. Aliás, a produção merece nota: impecável. Do início ao fim, a estrutura montada no coração da cidade respeitou e abraçou aqueles que foram assistir seus artistas favoritos. Com uma programação majoritariamente nacional, a pluralidade do público contribuiu para que a noite fosse de paz e, como proclamou posteriormente o artista Criolo, representavam a ‘resistência do amor’.

Às 15:30, a banda Carne Doce iniciou o show no Palco Amarelo, envolvendo todas e todos com a sua sonoridade ímpar e bebendo da fonte do Indie rock aliada a sonoridades tipicamente brasileiras. O gramado lateral em contraste com a terra batida, onde os fãs se aglomeravam, dava a sensação de que havíamos feito uma viagem no tempo dos grandes festivais pelo mundo ao longo da História. A associação ao Woodstock 69′ e ao Rock in Rio 85′ era natural, amplificada pelo grito rouco contemporâneo de liberdade: dos costumes, sexual, artística e política. A vocalista Salma Jô conduziu, com malemolência, o público que já sentia uma certa brisa no rosto, com a temperatura mais amena.

 

Salma Jô no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV
Salma Jô no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

O Palco Rosa recebeu, na sequência, o show de Jade Baraldo, que ganhou notoriedade em participação no reality show musical The Voice Brasil. A apresentação equilibrava a voz suave da intérprete com um som ritmado, de peso, que seguia no envolvimento do público. Em tempo, ‘envolvência’ é o conceito que marca cada show e manifestação espontânea de cada um. E essa ideia se proliferava à medida que o festival ia ficando mais cheio e a noite chegava.

A noite despontou com a cantora Luedji Luna, que aprofundou a malemolência e ofereceu aos presentes um show gingado, recheado de canções viscerais e realizou uma apresentação política por natureza. A representatividade das letras das canções e o canto ecoado pelos orixás transbordaram a energia do ambiente. Em rodas entre conhecidos e desconhecidos, grupos, casais e novos amigos dançavam enquanto se preparavam para um grito uníssono, por justiça e mais amor.

Luedji Luna no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

A artista soteropolitana de voz potente levantou o público que já ocupava todos os cantos do Queremos! Festival 2019 e se preparava pra receber Duda Beat. O ambiente já estava lotado quando a cantora iniciou sua apresentação no Palco Rosa. O calor dava espaço para um clima mais aconchegante e noturno, com os fãs se jogando na batida da pista. Vale destacar também o som límpido e potente ali instalado. A iluminação de cada show se destacava, reunindo a identidade de cada artista a um conceito próprio.

Duda Beat no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV
Espaço Deezer no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Nos intervalos , o público podia relaxar nos espaços lounges, recarregar as energias na área ‘Comemos’, que ofereceu uma ampla e diversificada opção de lanches, além de se divertir com os amigos no karaokê disponibilizado pela Deezer, com um variado cardápio musical. A plataforma de streaming global também realizou a cobertura do Queremos! Festival, direto do aplicativo para todo o Brasil!

Uma das atrações nacionais mais esperadas, Gal Costa abriu com a canção ‘Dê um Rolê’, imortalizada na sua voz nos anos de 1970 e composta por Moraes Moreira e Luis Galvão, do grupo Novos Baianos. A artista seguiu com “Mamãe Coragem” (Caetano Veloso e Torquato Neto), “Vaca Profana” (Caetano Veloso) e “As Curvas da Estrada de Santos” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos). Perfilando clássicos e incluindo canções do mais recente álbum “A Pele do Futuro”, Gal emocionou e envolveu por completo as pessoas que ali estavam.

Gal Costa no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

Com uma energia impressionante e já conhecida pela maior parte dos seus fãs,  Criolo subiu ao palco diante de um público extasiado, renovando os ânimos de cada um:

“Quero dedicar essa energia a cada professor e professora do Brasil!”

Criolo no Queremos! Festival 2019 Foto: Ana Romaguera/MBV

As gerais delirantes foram provocadas pelo cantor, que conclamava todas e todos:

“Eu não tô te ouvindo, eu não tô te ouvindo! Tá cansadinho?”

O som-pesadão-envolvente dominou o espaço. Artista e público comungaram na canção ‘Duas de Cinco’, do álbum ‘Convoque Seu Buda’, lançado em 2014. A noite se encaminhava para as apresentações finais com a presença visceral de Criolo, que demonstrou ali todo o teor político anti-demagógico e intensidade.

Filmagem: Ana Romaguera/MBV

 

O Queremos! Festival 2019 representou uma catarse coletiva e libertária diante de um conturbado cenário político vivido hoje no Brasil. Nasceu já como parte da História do Rio de Janeiro.

No futuro, os escafandristas da canção ‘Futuros Amantes’, de Chico Buarque, encontrarão os tais vestígios de estranha civilização e, no eco de antigas palavras, verão na experiência sonora um ato de amor.

A resistência do amor.

 

Por: João Santiago

Outro olhar

renato russo ao vivo
Renato Russo em performance ao vivo

No início da minha adolescência, mais precisamente na pré adolescência, eu me trancava no quarto e ficava ouvindo Legião Urbana, transformando aquele pedaço de vida em algo totalmente meu, que ninguém poderia roubar. Foi como se uma bomba houvesse explodido no ar quando ouvi pela primeira vez o disco duplo ao vivo “Como é que se diz eu te amo – Plateia Livre”.  Foi ali meu primeiro contato com Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa Lobos.

Me surpreendi e logo de cara me apaixonei pelos títulos de cada música, antes mesmo de ouvi-las. Foi assim que conheci “Faroeste Caboclo”, “O Descobrimento do Brasil”, “1965 (Duas Tribos)”, “Metal contra as nuvens” e tantas outras. Aquele disco ao vivo realmente provocou em mim o nascimento de algo que eu só iria entender anos mais tarde.

clique aqui para ouvir o disco da Legião Urbana ao vivo na íntegra

Logo despertei meu interesse profundo pelo lado B da banda e alguns anos depois, acessando o já finado Orkut, conheci a comunidade “Legionários em ação”. Aquilo foi o verdadeiro mapa do tesouro simplificado e com comentários dos piratas que estavam loucos para compartilhar seu ouro com quem mais pudesse querer.

Lá descobri áudios raríssimos de shows da Legião. No Jockey, em 1990, quando Renato Russo, fez uma homenagem ao Cazuza que havia morrido naquele mesmo dia. Encontrei também o áudio completo do famoso e fatídico show no estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde vários fãs ficaram revoltados e até queimaram discos da banda na saída do estádio, por uma confusão que houve no show e que levou Renato a encerrar bem mais cedo do que o esperado.

Na homenagem ao Cazuza, Renato Russo faz uma belíssima fala que mostra precisamente a semelhança entre os dois. Na época não era comum as pessoas verem semelhança entre os dois. Anos mais tarde os dois foram postos no patamar de grandes poetas brasileiros.

Renato Russo e Cazuza
Renato Russo e Cazuza

Assista aqui a homenagem que Renato Russo fez ao Cazuza no show do Jockey Clube

Assista aqui o show completo da Legião no Jockey Clube, em 1990

Foi nessa época que comecei a me tornar um escafandrista da música popular brasileira. O amor pela nossa música e a curiosidade capaz de aguçar meus sentidos (e ouvidos) são minhas fontes primordiais de trabalho. Demorei anos para entender e aceitar minha própria identidade. Achava que tudo o que parecia único não era raro e que qualquer um poderia achar aquilo tudo. Não via como algo diferencial meu, aceitava com naturalidade.

E foi assim, achando tudo muito natural, que encontrei áudios raríssimos dos Paralamas do Sucesso, por exemplo, ensaiando na casa da vovó Ondina, avó do Bi Ribeiro, baixista da banda, entre tantas outras coisas que eu encontrava apenas para saciar uma vontade pessoal: ouvir as bandas que eu gostava com gravações que não tinha sido lançadas em disco. Era apenas uma satisfação pessoal. Quando percebi, uns dez anos depois, que poderia trabalhar com isso, a memória e a História, descobri que era bem mais feliz do que eu pensava.

Paralamas do Sucesso
Paralamas do Sucesso

Recentemente, por exemplo, encontrei um áudio raro do show de Chico Buarque realizado na cidade de Veneza, na Itália, em 1993. Não houve registro desse show ou dessa turnê.

Chico Buarque em suas andanças pelo mundo
Chico Buarque em suas andanças pelo mundo

 

Ouça aqui o show de Chico Buarque na Itália, em 1993

Escafandrista da MPB? Não, eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã.